segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CONTOS DA NOSSA TERRA


Quem não se lembra do ti Saraiva? ( T`siraiba na voz do povo)



Quem não se lembra do ti Saraiva (T`siraiba) e sua camioneta, da carreira com tromba e tudo? Quem não se lembra do ti Chico que até arranjou um chicote comprido, com o qual da porta de trás, mesmo em andamento, tenteva espantar a canalha que se pendurava nas grades da camioneta.
Há já uns tempos fomos descobrir esta passagem deliciosa da nossa infância, meados do século XX - escrita desde Lisboa, sabemos lá  por quem, mas que até podia ser da autoria de um qualquer de nós. Basta para isso, que nos situemos na Ceboleira (sobleira) quando esperávamos, a gritar “já lá vem a carreira”. Ou na praça quando o Ti João Robalinho (Ti Jbão rebalinho), recebia do T´siraiba o Correio que depois distribuia em voz alta.


Recordem:


«Havia naqueles dias dos anos 50 alguns ícones que merecem referência aqui. São profissões, tipos, caracteres, pessoas especiais que, pela sua função ou indispensabilidade, ficaram no nosso imaginário para sempre.
A camioneta da carreira (autocarro diário) era um deles. Um dos principais.
Era um instituto. Duas vezes: às nove e às seis. Havia quem, àquela hora, não fizesse mais nada: ia para o Terreiro (Largo) de São Francisco esperar pela camioneta da carreira. Só para cheirar o que lá ia, quem lá ia.
Só por falta de ocupação e necessidade de manter o contacto com o «resto do mundo», digo eu hoje: o mundo terminava onde terminava o circuito da carreira: Belmonte para um lado, Ozendo / Sabugal para o outro.
Mas acontecia com os mais pequenos outro fenómeno que envolve também a camioneta da carreira: apanhávamos boleia, pendurando-nos lá atrás e indo uns minutos pendurados, com os pés mais ou menos a arrastar pelo chão. Aliás, não era só com a carreira que apanhávamos boleia. Fazíamos isso também com a camioneta do peixe e um ou outro caso de camionistas que por ali paravam.
A técnica era muito simples: do Largo de São Francisco, onde toda a gente parava e, por maioria de razão a camioneta da carreira, até à curva lá em baixo, os motoristas aceleravam pouco porque tinham de fazer aquela curva fechada. Era então boa ocasião para «apanhar a boleia»: cada um pendurava-se cá atrás, onde podia, mas com uma regra sagrada: tinha de ir escondido do motorista. Se não, eles paravam e vinham cá a trás escorraçar o pessoal – que, ala, que se faz tarde, desaparecia em menos de um fósforo…


Mas nem sempre os motoristas abrandavam – às vezes, tenho a certeza, por malandrice também. Aí, toca a saltar. Por vezes, já em situação de perigo. E então lá ia um joelhito abaixo, uma esfarrapadela numa perna, um esmurranço num pé… Era uma vertigem pura, nessas alturas.
Impossível deixar de referir aqui quem era o motorista de sempre da camioneta da carreira: durante anos e anos. Nem sequer se admitia que pudesse haver outro. E se algum dia ia outro, já nada parecia igual. Era o ti’ Saraiva. Já era velhote (ou eu pensava que era. Naquelas idades, temos uma estranha noção de velhice. E, naqueles tempos, as pessoas tinham ou parecia-nos que tinham um estranho ar de velhice precoce). Mas sempre simpático para com toda a gente: era para todos o ti’ Saraiva. »
José Carlos Mendes (sic)

E assim, decorriam langorosamente os dias na bucólica pacatez da aldeia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Brevemente:«OS DEZOITO DA AMEIXA»
aventura que ficou conhecida como tal. Numa altura em que ainda polulavam crianças no Ozendo.