quinta-feira, 25 de julho de 2013

Motivos cruciformes no Ozendo


Por vezes, olhares mais atentos permitem identificar no casario das nossas Terras, pormenores arquitectónicos, marcas, datas, inscrições, etc bastante interessantes e que fazem parte da sua História. No Ozendo, entre a Rua da Praça, Rua da Fonte, Rua do Ribeiro e Rua do Pardal é possível observar singularidades como casas baixas, portas de arestas biseladas, muitas vezes associadas a motivos cruciformes, datas e outras inscrições, presentes nas suas ombreiras.  

Não dispomos de dados concretos que nos permitam fazer uma associação directa entre a existência de marcas cruciformes e a presença de comunidades ou famílias cristãs - novas mas, estas características arquitectónicas são geralmente verificadas em antigas judiarias, tendo as marcas cruciformes diversas interpretações.

Segundo alguns investigadores, as cruzes presentes nas ombreiras de portas seriam uma forma dos cristãos-novos dizerem “agora somos cristãos” e assim, deixarem de “chamar a atenção” da Inquisição. Outros, referem que estas marcas seriam executadas pelos Inquisidores, como forma de marcarem as casas de judeus, agora cristianizados. Há também quem defenda que a cruz gravada seria utilizada como forma de purificação de um espaço considerado herético, por exemplo, ter sido anteriormente habitada por judeus.

De referir, no entanto, que a existência de estes motivos cruciformes, que podem estar associados a datas e outros anagramas, gravados nas ombreiras de habitações e outros espaços públicos (fontes, moinhos, etc), deve ser compreendida como um elemento de cristianização do local. Nem sempre a gravação de um elemento cruciforme deve ser entendida como a marcação de um espaço de ocupação judaica, havendo necessidade de avaliar o seu enquadramento.

Em relação aos motivos cruciformes do Ozendo, podemos identifica-los nos seguintes locais:

- Rua do Pardal: motivo cruciforme simples, com 14cm de altura e 11 cm de largura, na ombreira direita, frente.

- Rua da Praça: motivo cruciforme decorado nos braços e com base na horizontal, com 15cm de altura e 10,5cm de largura, na ombreira direita, frente.  

- Rua da Ribeira: em porta biselada, na ombreira esquerda, frente, presente a data “1759” (números com uma média de 7cm de altura), por baixo, símbolo de carácter indefinido, com 8 cm de altura e 7 cm de largura.

Na ombreira esquerda, mas de lado, observável também motivo cruciforme simples, com 14cm de altura e 8,5cm de largura.

Já na ombreira direita, de frente, cruz com base e braços decorados com traços na perpendicular, com 12 cm de altura e 9cm de largura.

- Rua da Ribeira: motivo cruciforme com braços decorados, com 10 cm de altura e 8,5cm de largura, mas já incompleto e bastante difícil de identificar, na ombreira direita, frente.

Referência também para a existência de uma porta biselada na Rua do Reduto.
 


Motivo cruciforme na Rua do Pardal
                                                                                                                                                                   


                                     
   Motivo cruciforme da Rua da Praça.

 










     Motivos cruciformes na Rua da Ribeira


  Porta biselada na Rua do Reduto








  Inscrições e datas na Rua da Fonte, Rua do Cemitério, Rua da Praça e Rua da Ribeira


Quanto a datas e outras inscrições, podemos identificá-las:

- Rua da Praça: motivo indeterminado, associado à letra “M” e à data “1864”, ombreira direita, frente.

- Rua da Fonte: no lintel da porta, vários motivos inseridos numa moldura e à sua volta. É possível identificar a data “1886” e a palavra “MA?NO (?)”.

- Rua da Ribeira: a data “1862” gravada na ombreira direita, frente.

- Na Rua do Cemitério, no lintel de porta, existe também a inscrição “O MESTRE / D M THOME  R (?)/F (?) J  07 ? / ANNO”, associada à data 1868. Provavelmente referência a quem fez o edifício e sua data de construção.

De facto, se os motivos cruciformes podem remeter para a presença de cristãos-novos, as datas e as inscrições estamos em crer que remetam para a época construtiva do edifício onde se inserem. Na Rua da Praça, a data aparece associada a um “M” e segundo a Maria, seria do avô Manuel.

Além destes vestígios físicos, não temos conhecimento de fontes documentais que refiram a presença de cristãos-novos no Ozendo. Mas, pela análise de processos da Inquisição presentes online na Direcção Geral dos Arquivos da Torre do Tombo, podemos ter conhecimento de testemunhos da presença judaica, estes do século XVIII, em Quadrazais, Sabugal, entre outros, pelo que a presença no Ozendo não é assim, totalmente descabida. Não esquecer que na Rua da Ribeira, onde aparece a data 1759, mesma época que os processos de inquisição identificados, numa porta biselada aparecem várias cruzes gravadas.

Este artigo é apenas uma achega. Independentemente do seu significado e interpretação, estes vestígios foram realizados pelos nossos antepassados e fazem parte da história do Ozendo, pelo que merecem ser estudados e preservados.






2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns àqueles que contribuem para o despertar da nossa história coletiva.

João Salada disse...

Impressionante como nunca tinha reparado nesses símbolos, que sempre estiveram ali e que carregam até aos nossos dias tanta história.

Sempre me perguntei de onde veio o Ozendo. Este artigo é sem dúvida uma pequena e preciosa peça nesse puzzle.

Parabéns pelo artigo!