quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONTOS DA NOSSA TERRA


Ozendo, do nosso desapego forçado


    Naquela manhã de princípio de Outono, o José Augusto de mão dada com a sua mãe, dirigiu-se à escola situada ao fundo da aldeia. Era um edifício encantador, tinha sido construído à custa das contribuições desinteressadas e generosas dos seus vizinhos, quando ali se começaram a fazer eco, nos longínquos anos, os ideais republicanos do ensino gratuito para todos - é que para se fazer uma revolução cultural, ou outra qualquer que seja, não basta proclamá-la com fervor como fazia aquela gente lá de Lisboa que nos governava, é preciso muito mais que isso, é preciso levá-la à prática - disso logo se deram conta aquele punhado de almas.

    Com o pouco dinheiro de poucos, a muito boa vontade de muitos e o trabalho esforçado de todos, em três tempos viram a sua obra sublime levantada, e logo aquela escola, qual universidade do lugar, se tornou famosa por léguas em redor tal era a afluência de jovens de palmo e meio das aldeias vizinhas, ávidos por beber o elixir da sabedoria e das letras. Da Torre, de Quadrazais, de Vila Boa, do Cardeal, de Pouca Farinha, de Rendo, de Soito e até de Vale de Espinho faziam diariamente uma romaria aquela aldeia, «situada em um vale verdejante – o Ozendo -» como a definiria o Doutor Manuel Joaquim Correia, na sua obra publicada e amplamente divulgada.

    O José Augusto sonhava com o dia em que a escola viesse também a ser sua. Sonhava poder brincar nos belos canteiros que ladeavam as escadas circulares que davam acesso à porta, para lá da qual se aprendiam a ler as histórias que tanto apreciava. Sonhava também, poder plantar e regar lá,… nos canteiros, flores as mais variadas e outras plantas que veria todos os dias crescer.

    Porém, finalmente o dia chegara.

    Meio escondido atrás da mãe, subia agora, ansioso, as escadarias redondas, que embora com apenas meia dúzia de degraus lhe pareceram intermináveis. Num acto de aparente coragem, especou-se à porta, como que para contemplar o ambiente e se familiarizar com ele, num acto desafiador aos grandes, que bem perfilados de batas alvíssimas se sentavam nas carteiras. Ainda sob o olhar atento e simultaneamente acusador daqueles “grandalhões” por fim, lá entrou.

    Apertando sempre e cada vez mais a mão da mãe e insistindo em se esconder atrás do seu avental florido, juntos, dirigiram-se à secretária do senhor professor.

    - Muito bom dia - adiantou o professor.

    - Muito bom dia, nos dê Deus, Senhor Professor - retorquiu a Maria Cláudia.

    - Então o que a traz por cá - insistiu o professor solícito.

    - Ó senhor professor, vinha ver se inscrevia aqui o nosso rapaz na primeira classe, que ele anda mortinho por aprender as letras.

    O José Augusto sentiu o seu coração dar um baque. Algum mau pressentimento... mas há-de passar...

    - Que idade tem ele? -questionou o professor.

    - Vai fazer sete anos - adiantou a modos que a medo a Maria Cláudia.

    - Então quando é que os faz? -indagava o professor.

    - É só a 13 de Abril do ano que vem - respondeu a Maria Cláudia.

    - Então ainda tem muito que esperar -ironizou aquele- só para o ano. Este ano já não há vagas, estão todas preenchidas. Sabes Maria, há muita canalha que vem de fora. Além disso só se pode inscrever com sete anos feitos.

    Pronto!... Cá estava a confirmação do mau pressentimento do José Augusto. Agora, o coração parecia correr a galope e querer saltar fora do peito. As picadas que pareciam agulhas afiadas sucediam-se umas atrás das outras. Ele nos seus seis anos, bem queria falar, bem sentia até necessidade de gritar a sua revolta, mas o coração constrangido e o estômago apertado, não o deixaram. Que grande desilusão... Fora a primeira da sua vida, que se lembre. Nem os muitos tombos e quedas, nem a faca que espetara no queixo, de que tão bem se recorda, ao tropeçar num degrau das escadas de sua casa, quando ao subi-las, na sua torpeza de criança, lhe trouxeram tanto sofrimento, tanta amargura, tanta desilusão. A apreensão e a revolta era infinitamente maior mesmo de quando, quais aves agoirentas, o rodeavam carpindo “coitadinho se a faca se espetasse um tudo nada mais atrás, morria”.

(continua)...

3 comentários:

José Carriço disse...

Se me recordo desse dia. Como se fosse ontem.
Mas eu fui sózinho, de cédula bem apertada entre os dedos, lá me dirigi para a escola.
Cheguei a escola, entrei, dirigi-me á secretária, onde a "nossa Senhora", (era assim que tratavamos a sra. Professora), nos aguardava.

- Como te chamas meu menino? - perguntou a sra. Professora.

E de carreirinha disse o meu nome completo.

Anónimo disse...

Todos nós nos lembramos desse primeiro dia e de muitos outros que se seguiram nesse local mágico.
Obrigado por teres sobrevivido e nos poderes contar estas coisas. JJ

Anónimo disse...

Por intermédio da ARCO, há que falar com as gentes do Sr. Professor e negociar, a fim de reconstituir o TELHEIRO da escola velha de que os mais novos já não se lembram.