segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Contos da nossa terra - Fogo no curral


Fogo no Curral

- Acudam!... Acudam!... Há fogo!... Há fogo!...Gritavam várias vozes em desassossego, cada uma para seu lado.
- Alguém que vá tocar o sino a rebate - gritava o Cruz, que se apressava já, como sempre, a organizar o combate ao incêndio. Homem de trabalho, entroncado, não muito alto, rude quanto baste para ombrear com a natureza do seu trabalho na labuta do campo. Mas alto lá,... que quando veste o seu fato domingueiro parece um autêntico galã capaz de fazer inveja a qualquer um e por as moças da aldeia e arredores a “cata dele” - Ó Aurora ide vós buscar os latões, baldes, caldeiros e tudo com que se possa acarretar água. Diz ó Manel Tó-Tó que traga enxadas e tudo o que poder, a ver se não arde a casa de seu pai.
As mulheres meio atarantadas dirigiam-se em várias direcções e num abrir e fechar de olhos, o pio da fonte, que encimava a praça, estava rodeado de toda a espécie de vasilhame. Numa azáfama própria só de uma situação daquelas, como formigas em carreiro, homens mulheres e até crianças afadigavam-se no combate ao incêndio de baldes e latões em punho. O Léi Peto, na esquina de sua casa, malandro e bricalhão, como sempre, a modos  que a tentar organizar a leva de gente, fazia que trabalhava e disparava ordens em todas as direções:
- Ó Zefa corre que te ardem as saias. Ó ti Céu olhe que a sua casa também arde. Já cheira a chamusco, são as barbas do ti Cristóvão a arder.
-És um bom malandro é o que tu és. Vai lá ajudar a apagar o fogo - gritavam quase em uníssono várias pessoas.
O Tonho Zé, "o Canhoto" poisa o latão de desaguar cheio de mel e cera de um favo que acabara de tirar de um castanheiro das Eiras, pegou num calhau e atirou uma barrocada que fez zunir,  propositadamente, tal era a pontaria, aos ouvidos do Léi.
- À malandro se não te calas!...
- O Léi a ganir, qual cachorro, aos saltinhos:
- Ai!...Ai!... Está bem... Já vou.
Era um vai e vem constante. Faziam a ida num pé e a vinda noutro. Era um combate desigual...

Tinha sido ateado numa brincadeira de garotos, que na ausência dos pais ou de qualquer outro adulto pela vizinhança, para ali tinham ficado ao Deus dará, sozinhos abandonados à sua sorte e à sua capacidade de imaginarem e inventarem entretenimentos.

O José Augusto, o mais crescido entre todos, com seis anos, queria mostrar aos outros como era valente e já sabia fazer grandes coisas. Foi buscar os “palitos” e toca de mostrar do que era capaz. No fundo a intenção dele era apenas a de acender uma pequena fogueira como aquela que todas as manhãs a mãe acendia à lareira, mas... de repente na sua inocência viu as chamas alastrarem num ápice. Foi então que num misto de garbo e de medo olhou para a “sua gigantesca obra, capaz de meter até medo aos grandes”.
O fogo lavrava num “triato” de lenha bem ressequida que já ali estava alguns anos e que por certo deveria servir para atear a lareira por muitos mais. A lenha era o menos,... que giestas e carvalhos abundavam, era só apanhá-los e trazê-los, o pior é que logo encostado estava o palheiro a abarrotar de palha e feno e mais ao lado as casas de habitação.
Toca de deitar água para cima. Quando as labaredas estavam no seu auge, parecia que quanto mais água se deitava, mais o fogo ateava. Contudo não era assim, tal era abundância de água, não obstante a fonte de abastecimento ainda ser longe, as labaredas acabaram por sucumbir afogadas, evitando propagar-se.
Para isso, muito tinham contribuído aquele punhado de almas, que numa só, irmanadas, se fundiram, formando uma cadeia humana de solidariedade desde o fontanário onde abundantemente se enchiam os recipientes até ao curral onde eram esvaziados. O seu mais forte elo de ligação tinha sido sem dúvida o Cruz que num acto temerário tinha subido para o muro sobranceiro ao local onde lavrava aquele inferno, a fim de se colocar no local estratégico, mesmo que para isso fosse necessário pôr em risco a própria vida.

Já a acalmia se ia apoderando de todos, eis senão quando se houve um inusitado zumbido que se aproxima, e de mais em mais se torna claro. É o velhinho e lento autotanque dos bombeiros, que por fim, não obstante a boa vontade dos voluntários, lá chega, meia hora depois, pondo de novo tudo em alvoroço.
Os Soldados da Paz limitam-se a confirmar a extinção das chamas e a fazer o rescaldo. O comandante Rasteiro, rodeado por aquela gente que ainda arfava  apoquentado, tratou de saber: 
- Há alguém ferido ou mal disposto?...  Ninguém se queixou e todos respiraram de alívio. Só o Léi Peto esboçou um gemido:
-Hãããein!.... Hããein!... Ainda sentia a pedrada a zunir-lhe ao ouvido.

Assim decorria pacatamente a vida naquela pequena aldeia - o Ozendo. Fora um ou outro acontecimento de tempos em tempos, a vida naquele lugar lá para os lados das terras de Riba-Côa, perto da raia de Espanha, entalado entre a Serra da Estrela, a Serra da Malcata e a Serra das Mesas, era de muita alegria e felicidade para toda a gente, não obstante as muitas privações e frugalidade porque tinham que passar. «Esta era uma aldeia situada em um vale verdejante muito bonita, airosa e onde as pessoas viviam com mais asseio que em qualquer outra », como gostavam de lembrar orgulhosamente os seus habitantes parafraseando um ilustre escritor filho da terra.

PS. Quem conseguir imaginar onde possa ter sido o incêndio ganha um doce ou um cuscurel.

Cadc

1 comentário:

Anónimo disse...

criamos comprender a lectura do conto en frances. Jaques